Os problemas relacionados à mobilidade urbana não representam,
como dizem alguns especialistas, uma exclusividade das duas ou três
ultimas décadas. A História mostra que à proporção que avançava para a
era moderna, o mundo tornava-se cada vez mais populoso, tendo uma parcela considerável dessa expansão convergido para os centros urbanos.
Na obra “SuperFreakonomics” (2010), Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner apontam que, só nos Estados Unidos, as cidades
ganharam 30 milhões de residentes durante o século XIX, com metade
desse ganho se concentrando nos últimos 20 anos daquele século. Conforme
tais autores, a movimentação dessa massa com os seus respectivos bens,
criou sérios problemas: “o principal meio de transporte gerou carradas
de efeitos colaterais adversos”. Congestionamentos, agravamento da
poluição e das emissões tóxicas, altos custos sociais e muito mais
mortes em acidentes viários, estão no rol das “externalidades negativas”
concernentes ao trânsito daquela época, na adução de Levitt e Dubner.
Ressalte-se que o vilão na oportunidade não era o automóvel, que só depois surgiria, e sim o cavalo.
Idealizado no final do século XIX, o automóvel foi anunciado como a
solução para a questão da mobilidade, um facilitador do acesso ao
trabalho e ao lazer. A princípio, contudo, a invenção mostrou-se
excludente e impopular, pois, além de apresentar um custo elevadíssimo,
não logrou convencer as pessoas quanto ao quesito segurança. Aliás, por
volta do ano 1900, em vários países não existia um carro sequer.
Coube a Henry Ford a árdua tarefa de baratear e de tornar confiável o
automóvel, proeza que ele conseguiu a partir do aperfeiçoamento da
linha de montagem, a qual possibilitou a produção em série de seu mais
famoso modelo, o “T Ford” (15 milhões de unidades vendidas numa época em
que ser dono de um carro ainda era privilégio de poucos).
Assim, a partir do início do século XX, gradativamente o automóvel
foi substituindo as carruagens e sendo inserido no cotidiano das
cidades.
Esteada no pioneirismo de Ford, a “democratização” do automóvel
demonstraria, anos mais tarde, as transformações marcantes no modo de
vida citadino, que ele, o automóvel, provocaria. O atual caos urbano,
que em muitos pontos coincide com a situação mencionada por Levitt e
Dubner, exige que se discutam soluções.
Como se observa, os desafios relacionados à mobilidade são cíclicos.
Na virada do século XIX para o século XX, no auge dos problemas
descritos por Levitt e Dubner, o cavalo foi forçado a assumir a culpa.
Perdeu o posto para o automóvel. A quem culparemos agora?
* Luís Carlos Paulino é subtenente da PMCE, bacharel em Direito, especialista em Gestão e Direito de Trânsito, membro da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (ABPTRAN), Associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, articulista das revistas Leis & Letras e Trânsito em Revista e autor do livro “Trânsito no Brasil: desafios à efetivação do direito de ir e vir e permanecer vivo”.