Se a indústria da multa realmente existe ela é alimentada pela sua
matéria-prima: os motoristas infratores. Ou seria a multa uma doação de
livre e espontânea vontade por quem não respeita as leis de trânsito?
Essa é a reflexão que proponho à sociedade.
Pesquisando pela rede cheguei até a história de Laurindo Soares de
Gouveia, um senhor que vai completar 102 anos, mora no Paraná, é
habilitado desde 1963, dirigiu até os 101 anos e nunca foi multado. No
Espírito Santo, o carreteiro Dercelino Dias dirige há mais de 40 anos e
nunca recebeu uma multa.
A história desses motoristas veteranos e de tantos outros me faz
pensar na multa como objeto discursivo, taxada de indústria por quem é
acusado pelas autoridades de trânsito de cometer algum tipo de infração.
Esse pensamento fabril aplicado ao trânsito nos leva a tentar entender
alguns conceitos básicos: o de indústria e de matéria-prima.
Segundo o Novíssimo Dicionário de Economia, de Paulo Sandroni,
indústria é definida como “o conjunto de atividades produtivas que se
caracterizam pela transformação de matérias-primas, de modo manual ou
com auxílio de máquinas e ferramentas, no sentido de fabricar
mercadorias.” Mas a definição de matéria-prima, de Bruce Mackenzie,
também é interessante: “para uma indústria, materiais disponíveis
aguardando entrada no processo de produção.”
Ora, para que exista uma indústria tem de existir matéria-prima, pois
sem ela a indústria se enfraquece, pára e deixa de existir. Agora
vejamos as características dos “motoristas matéria-prima”.
O motorista vê uma placa de estacionamento rotativo, sabe que tem que
usar o cartão de estacionamento, mas não o faz; comete a infração,
recebe a multa e sai por aí fazendo beicinho e falando em indústria da
multa.
O motorista que acredita na impunidade, no fato de não haver uma
autoridade de trânsito em cada trecho da rodovia trafega pelo
acostamento, é flagrado, autuado e multado, mas também encampa o
discurso da indústria da multa.
Também guardam esses discursos quem fura sinal vermelho, quem
estaciona em local proibido, quem ultrapassa em faixa contínua dupla e
quem abusa da velocidade. Independente do radar estar escondido no mato
ou bem visível às margens da rodovia, o fato é que o equipamento só
flagra quem trafega acima da velocidade permitida.
Ah, e mais aquela história de que um motorista foi multado por
trafegar a 880km/h ou que dirigia sem capacete? Balela. Balada do
infrator, leitores! No primeiro caso, indicação de falta de aferição ou
defeito no equipamento. No segundo caso, o que desafia a qualquer lei do
bom senso a acreditar que uma autuação dessas já não morra na casca por
vício de preenchimento no documento.
Retomando o be-a-bá: a multa só existe em função da infração e cada
vez que alguém comete uma infração isso resulta em multa. Ponto. Se
existe uma certeza nisso tudo é que nunca vi um motorista que respeite
as leis de trânsito reclamando que foi multado, e os senhores Laurindo e
Dercelino são exemplos disto.
Há que se ter muito cuidado com o discurso de indústria da multa,
pois se ela realmente existe, o que mais tem por aí é motorista servindo
de item de fabricação. Ou como diz a psicóloga Iara Thielen, da
Universidade Federal do Paraná, a multa de trânsito é doação de livre e
espontânea vontade, feita por quem desrespeita as leis de trânsito.
Doação feita, condutores, por “motoristas matéria-prima.”
Realmente, é algo muito sério a se considerar!
Fonte: em
Blog
por Márcia Pontes
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