domingo, 30 de setembro de 2012

VLT: um transporte moderno, sustentável e urbanisticamente correto para as Cidades Brasileiras


Por Peter L. Alouche


O cenário atual da sociedade urbana no mundo em desenvolvimento, mais particularmente na América Latina e no Brasil, mostra um crescimento explosivo e desordenado das metrópoles, com uma grande parte das populações pobres vivendo nas periferias, excluídas das atividades econômicas e com uma baixíssima mobilidade, se comparada com os índices dos países ricos.

Há um crescimento vertiginoso da frota de automóveis nas grandes cidades, com o conseqüente aumento do tráfego nas vias e a  saturação dos principais eixos, o que provoca fenômenos de asfixia que levam à degradação das áreas centrais, em função de seu difícil acesso e à expansão das cidades para as periferias e subúrbios, com todas as dificuldades decorrentes para o deslocamento das pessoas. As regiões habitadas se espalham, vítimas do “sprawl” provocado pelo automóvel. O sistema de ônibus é geralmente insuficiente nos eixos das periferias e a implantação de linhas de metrô em vastas regiões de baixa densidade é economicamenbte inviável. Por falta de outras opções, as populações periféricas esquecidas recorrem ao transporte clandestino, não regulamentado.

Nas áreas densas, as conseqüências danosas do congestionamento das vias não se fazem sentir somente no trânsito e no desperdício imenso no tempo perdido nos deslocamentos, mas por causa dele, as pessoas que se deslocam ficam sujeitas à problemas de acidentes, de saúde física e psicológica, de ruído e de violência. A cidade engessada torna-se profundamente ineficiente, causando prejuízos imensuráveis para a sua própria economia e para a economia das empresas e do país.

Há também a preocupação com a escassez de energia e a degradação do meio ambiente, com a poluição atmosférica atingindo níveis intoleráveis, com efeitos de dimensões catastróficos para o nosso planeta.

Há, por outro lado, uma consciência ecológica forte que se estabelece e se propaga. Surge com muita ênfase o direito à “mobilidade para todos” que é proclamado e defendido por lei, exigindo a inclusão de todas as pessoas, ricas e pobres,  portadores ou não de deficiência, jovens, mulheres e idosos nas atividades e no direito ao transporte.

Neste contexto de necessidade da mobilidade, e face às imensas dificuldades de um lado e ao direito de todos de se locomover, o transporte público se apresenta como um elemento vital, capaz de solucionar a difícil equação  para melhorar a qualidade de vida da sociedade urbana, mas é preciso que seja um transporte de fácil acesso, eficiente, seguro, rápido, confiável, confortável e limpo. Na cidade de amanhã, até o crescimento vertiginoso do transporte individual será freado pela limitação intransponível do espaço físico, dando lugar ao transporte público, aberto e amigável para todos.

A Tecnologia do Transporte surge, então, como uma das ferramentas básicas para enfrentar este cenário e os desafios do transporte nas grandes cidades. Mas, é fundamental que ela seja escolhida adequadamente, especificada com precisão e implantada com competência.

A escolha do modo de transporte público
A opção por um modo de transporte público, de uma cidade ou de um determinado eixo de uma metrópole, não depende tão somente das características técnicas e dos custos da tecnologia escolhida, mas, também e principalmente, do entorno urbano onde o sistema  será implantado. A escolha baseia-se em muitos fatores como o planejamento a longo prazo com uma análise da mobilidade futura prevista, numa visão de desenvolvimento sustentável, mas também na disponibilidade da tecnologia, no nível de serviço e qualidade de transporte que se pretende ofertar.

Depende também dos custos a médio e longo prazo, incluindo as externalidades, ou seja, os custos quantificáveis relativos ao meio ambiente, horas gastas em viagens, acidentes, consumo de combustível fóssil etc. Os custos de um sistema de transporte com determinada tecnologia dependem do  cenário urbano onde se insere o modo, dos modelos de financiamento, do tipo de implantação e dos métodos construtivos adotados, do material rodante, da especificação dos equipamentos e sistemas, dos custos operacionais ao longo da vida útil do projeto (life cycle cost) e dos custos da renovação do material.

Assim, na análise de uma alternativa, é necessário incluir as características físicas, ambientais, econômicas dos modos, e também a qualidade de serviço, a atratividade de usuários, além dos impactos no trânsito. Só uma engenharia financeira, incluindo o impacto no meio urbano, as externalidades e as prioridades sócio-econômicas da região, podem determinar a melhor alternativa para o transporte de um corredor.

A opção entre ônibus e trilho é muito importante, porque influencia diretamente no papel do transporte na cidade e no entorno urbano. Tem impacto direto na vida e na evolução da cidade. Assim, a escolha de um modo tem também um forte teor político. A participação direta da população na decisão é importante porque é ela que deve determinar a cidade futura que ela quer.

Surge nestas alternativas de transporte urbano, para os corredores de alta e média capacidade, o sistema de ônibus em corredores reservados, os sistemas com veículos leves sobre trilhos (VLTs) e os metrôs.


O Veículo Leve sobre Trilhos ou VLT

O Veículo Leve sobre Trilhos (ou VLT) é um sistema de transporte que atende à oferta de transporte existente entre o ônibus e o metrô pesado. Geralmente não tem a sua faixa completamente segregada. De acordo com seu grau de segregação e a tecnologia adotada, pode garantir uma capacidade de transporte que varia de 15.000 a 35.000 passageiros/hora/sentido. É, portanto, uma alternativa adequada para um corredor de transporte de média capacidade.

Permite tecnologias diferentes, de acordo com o grau de segregação da via e o sistema operacional adotado. Pode ser um VLT de superfície, com segregação parcial, variando desde o bonde moderno (veículo com degraus ou piso parcialmente rebaixado) compartilha a via com outros modos, até o VLT chamado de “Tramway” na França, com veículo com piso totalmente rebaixado, com faixa reservada nas grandes avenidas e ruas, mas compartilhando a via até com pedestres nos centros históricos.

Pode ser um VLT com faixa totalmente segregada, e aí se aproxima muito do chamado Metrô Leve. Este pode ser do tipo ferroviário, como o metrô leve de Docklands ou sobre rodas de pneus, como o VAL (Veículo Automático Leve), de Lille. É preciso mencionar os metrôs leves com motor linear, como o Sky Train de Vancouver, uma tecnologia que tem algumas vantagens, como a de vencer rampas muito íngremes e de permitir rodas de sustentação menores.

Uma tecnologia que se expandiu no Japão é a do monotrilho, com o veículo assentado em uma estrutura de concreto, como o de Narita (Tóquio) ou pendurado em uma estrutura de aço, como o de Chiba. Existe também uma tecnologia em desenvolvimento na Europa, a do veículo leve sobre pneus, que é ao mesmo tempo ônibus e VLT. Circula com guiagem óptica, magnética ou por trilhos. Exemplos desta tecnologia em testes se encontram em Clermont Ferrand, Nancy e Caen.

Por ser totalmente segregado, o metrô leve pode ter a sua condução totalmente automática, sem condutor.

Características do VLT no meio urbano

A principal característica de um veículo leve sobre trilhos é sua adaptação perfeita ao meio urbano e paisagístico. Sua implantação é geralmente fruto de um projeto associado a uma renovação urbana, bem mais amplo que o simples transporte de pessoas, como foi evidente no projeto de VLT de Docklands e no de Baltimore.  

Além de suas vantagens em termos de segurança, rapidez, conforto, suavidade nos movimentos e flexibilidade, o VLT é limpo e não emite poluição nenhuma, por ser a tração elétrica. Sua superestrutura com trilho envolvido, onde o topo do boleto está na altura da via, permite o compartilhamento do VLT com outros modos. É adaptável ao traçado e pode vencer rampas e realizar curvas fechadas. O tratamento dado à via evita as vibrações e ruídos. Pode ser implantado por etapas e se integra facilmente com o sistema de ônibus e com o automóvel. Aliás, na prática, consegue atrair os automobilistas, o que o sistema de ônibus não consegue.

O VLT consegue, assim, tornar a cidade mais humana e habitável, porque permite uma adaptação estética perfeita ao meio urbano e é compatível com as áreas dos pedestres, e até pode circular nos centros administrativos e históricos, sem comprometê-los.

Com ciclo de vida de mais de 30 anos é uma alternativa de transporte durável e de desenvolvimento sustentável.

O VLT apresenta também algumas desvantagens que precisam ser analisadas em uma escolha de alternativas em casos específicos. Não é flexível para circulação fora do corredor e sua operação e  manutenção necessitam de uma infra-estrutura organizacional relativamente complexa. O custo do material rodante de um VLT ou metrô leve é relativamente alto no Brasil, por uma questão de escala. Mas, com os projetos que estão em vias de concretização e com a concorrência entre fornecedores de diversas procedências, as perspectivas são de uma sensível redução nos preços.


Conclusão
Muitas cidades do mundo, inclusive a maioria das cidades brasileiras, optaram pelo automóvel como “solução universal” para seus deslocamentos. Hoje, começa a ficar evidente que a mobilidade urbana baseada no automóvel está se tornado absolutamente inviável.

O ônibus é certamente no Brasil o modo de transporte público por excelência. Apesar das suas redes terem sofrido melhorias sensíveis, por meio da sua operação em vias exclusivas, como em Curitiba e em São Paulo, o sistema tem se apresentado insuficiente e saturado em muitos corredores, necessitando ser substituído nesses corredores por um modo de maior capacidade, metrô ou um sistema mais leve, quando a demanda não justifica um sistema pesado, o VLT.

Parafraseando Victor Hugo, que já no século 19, escrevia: “Eu me reconciliei com a ferrovia”, parece que o Brasil também está se reconciliando com o trilho nas suas áreas urbanas. O VLT surge como o transporte “inserido” no urbano e não apenas superposto à cidade. Deverá, pelas suas propriedades de ser amigável com o entorno urbano, não ruidoso, ecologicamente perfeito, rápido, seguro, de circulação suave, confortável, de fácil integração com os outros modos, de rápida implantação, podendo até operar por etapas, transformar-se no transporte público urbano do século 21.

Mas, é sempre bom lembrar: as cidades precisam de rede de transporte, onde o usuário possa circular a partir de seu ponto de origem a seu ponto de destino, com rapidez conforto e segurança. Cada modo de transporte tem seu lugar adequado nessa rede. O importante é a integração de todos os modos, visando um melhor transporte para a população, e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida. 

*Peter Alouche é engenheiro e consultor de transportes na área de tecnologia da Trends Engenharia e Tecnologia. Trabalhou por 35 anos na Companhia de do Metrô de São Paulo, nas áreas de técnica e tecnologia, onde foi presidente do Conselho de Tecnologia. Dá consultoria para a SPTrans e para o Banco Mundial.

Fonte: ABRAMCET